Solidão e Solitude

Faz Sentido deste domingo fala sobre equilíbrio entre ser só e estar sozinho

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Reprodução/
Fabiana Sparremberger e Bárbara Maria Barbosa Silva

Há uma linha tênue entre solitude, solidão e isolamento. Saber diferenciar esses três sentimentos não só faz diferença para nossa saúde mental, como para nossa vida em sociedade. Gostar de passar o tempo com a própria companhia, ouvir os próprios pensamentos, permitir-se ficar só, pode ser algo libertador. Entretanto, quando o isolamento acaba sendo mais do que um momento de refúgio e passa a ser habitual, a solidão pode ganhar um espaço maior do que o desejado. Saber dosar os momentos introspectivos com a agitação turbulenta do dia a dia é o segredo para evitar as mazelas da solidão. Para falar sobre a diferença entre solidão e solitude, a jornalista Fabiana Sparremberger recebeu a psicóloga Bárbara Maria Barbosa Silva.

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Em um primeiro momento, as palavras solitude e solidão podem gerar uma certa semelhança, mas possuem causas e efeitos completamente diferentes. Fabiana destaca a importância de sabermos equilibrar os desejos de passar o tempo isolados entre viver sozinho por uma dificuldade ou até medo de se relacionar. Curtir a própria companhia é a glória de estar sozinho. Essa definição é abordada pelo teólogo e filósofo alemão Paul Johannes, que descreve a solitude como uma escolha de ser sozinho e feliz, com essa decisão que é feita de forma deliberada, consentida e positiva. 

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Bárbara explica que, devido à palavra solidão ser mais antiga, temos uma familiaridade maior com seu significado. Diferentemente de solitude, cujo uso é mais recente:

- A solidão, enquanto uma característica de isolamento, não traz benefícios ao ser humano por não ser um traço biológico de nossa espécie. Foi o que percebemos no isolamento imposto pela pandemia, a dificuldade que todos tivemos de ficarmos distantes. A solidão carrega consigo um significado mais negativo. Porém, em termos de desenvolvimento pessoal, nós precisamos de momentos a sós para o desenvolvimento de certas habilidades. A meditação e a espiritualidade, por exemplo, precisam de momentos de solitude para serem aprimoradas. 

A jornalista relembra uma experiência pessoal em que passou a apreciar os momentos de individualidade:

- O meu processo de separação foi um momento muito grande de adaptação. Meu filho passava os finais de semana com o pai. Eu ficava em casa com o cachorro. Começou a me bater um sentimento de solidão, principalmente no começo, pois era acostumada a conviver sempre com alguém e, de repente, me vi só. Busquei, então, resolver essa minha solidão e, com o tempo, fui construindo minha solitude. Hoje, três anos depois, sou uma nova Fabiana. Posso dizer que me surpreendo comigo, porque eu gosto da minha companhia. Eu fico sozinha hoje por opção, mas construí isso a partir de um momento de solidão profunda.

A psicóloga pontua que a solidão e a solitude são experiências subjetivas, que dependem da maneira como sentimos ambas . O isolamento, segundo ela, está relacionado a um comportamento de afastamento. É, portanto, um nível físico e comportamental de ficar só.

EM BUSCA DE EQUILÍBRIO

Bárbara explica que essa subjetividade nas experiências proporcionadas pela solidão e solitude dependem das conexões afetivas que possuímos:

- O que diferencia os dois sentimentos é que, na solitude, estamos bem com nossa própria companhia. Na solidão, temos um misto de sensações de angústia, tristeza e abandono. Se nós tivermos conexões afetivas positivas, quando estivermos isolados, o sentimento de solitude predomina, porque você sabe que tem uma rede de apoio que pode contar.

Saber equilibrar e passar por momentos de solidão e solitude faz parte da vida. Ter uma rede de apoio faz toda a diferença e te dá tranquilidade de saber que você pode contar com alguém, comenta Fabiana.

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A psicóloga acrescenta que o sentimento da solidão e solitude, ele não necessariamente vem de uma situação de isolamento, e sim de como o indivíduo percebe sua relação com as pessoas. Ela explica que muitas vezes, as pessoas acabam se afastando, por não conseguirem estabelecer uma conexão, por razões de medo de julgamento provenientes de algumas psicopatologias, como a fobia social. 

- Em algumas psicopatologias temos casos em que as pessoas se sentem bem com o afastamento social, como transtornos esquizóides, esquizotípicos, elas não têm a necessidade desse convívio. Então conviver bem e estar perto de outras pessoas, é tão importante para nós, que a falta de interesse em estabelecer vínculos e relações sociais é um critério de diagnóstico para a grande maioria dos transtornos psíquicos - pontua Bárbara.

Fabiana comenta a importância de conseguirmos gerenciar os momentos de solidão e solitude. Achar o equilíbrio entre ambos, pode proporcionar benefícios para o desenvolvimento pessoal.  

- Passar um tempo sozinho é ótimo. Consigo parar e escutar apenas o que penso. Temos que nos permitir nos escutar, eu acho que muita gente não faz isso, porque não quer encarar. Não vamos conseguir ouvir todos os nossos barulhos e gostar deles, mas teremos muitas lições e aprendizados durante o processo. E eu falo por mim, é sim doloroso, mas sinto que estou me livrando de um peso. Quando você consegue praticar esse exercício a vida vai ficando muito mais leve - relata.

Bárbara esclarece que esse exercício de refletir o que estamos pensando, faz parte do campo de estudo da metacognição. É o conhecimento que temos sobre os nossos próprios processos cognitivos e a habilidade de controlá-lo.

- Só será possível realizar esse exercício se você estiver sozinha. Precisamos desenvolver a capacidade de conseguir ressignificar esses momentos. Há uma série de pessoas que fazem o movimento oposto, não conseguem ter nenhum momento de solitude e, às vezes, até sentem medo de ficar só. Elas precisam de uma orientação profissional para conseguir desenvolver essa habilidade. É necessário ter essas experiências de solitude durante a vida, mas sempre sabendo dosá-las, para esses momentos não se tornarem majoritários na vida de alguém - argumenta a psicóloga.

Recentemente, o mundo enfrentou um isolamento severo, imposto pela pandemia. As consequências dessa privação social que tivemos foram inúmeras. Pesquisas em diversas áreas registram os desafios e as consequências desse período. Barbara menciona estudos que apontam as dificuldades que as pessoas tiveram com o isolamento. Além, de um aumento considerável de casos de ansiedade, dependência química e depressão, vindos da pandemia de covid-19. 

Fabiana, também, comenta que a pandemia não só alterou sua rotina, mas também mudou seus hábitos, por conta do isolamento: - Eu estava fazendo exercícios físicos durante toda a pandemia, me acostumei a ficar em distanciamento social das outras pessoas que estavam caminhando. Agora que as medidas estão bem mais flexíveis, continuo com esse mesmo comportamento de me distanciar dos outros. E isso, para mim, é muito estranho, porque sou uma pessoa muito sociável. Mas eu desenvolvi uma conexão comigo mesma, durante essa uma hora de exercício, que é o meu momento, fico com meus pensamentos, com a natureza e com Deus. Comecei a usar esse momento para me conectar comigo mesma, porque eu preciso desse momento para mim, não quero compartilhar com ninguém.

A psicóloga aponta que alguns estudos desenvolvidos na União Europeia, Reino Unido, Japão e Estados Unidos, demonstram que cada vez mais as pessoas estão com dificuldades de interação. Esse isolamento acaba provocando a solidão que faz com que essas pessoas desenvolvam outros males.

 - Esses estudos foram promovidos pelo governo, porque é uma questão de saúde pública. As pessoas que ficam em isolamento por muito tempo, acabam desenvolvendo a solidão que desencadeia experiências de stress para nosso organismo através da liberação de neurotransmissores e hormônios como o cortisol. Temos relatos de experiências de isolamento em que as pessoas desenvolvem até problemas cardiovasculares e em casos mais severos a morte prematura - explica a psicóloga.

Fabiana questiona Bárbara, quando a solitude deixa de ser um momento prazeroso e de conexão consigo mesma, para um comportamento similar à solidão e de que maneira podemos ajudar quem está passando por esse momento. 

- Tem dois sinais importantes. O primeiro, é que precisamos observar se é a história da pessoa, se ela vem de uma família muito afetiva ou se teve alguma rejeição familiar. Dependendo de sua criação, para ela ficar mais isolada, é algo do seu cotidiano. Quando se tem uma ausência de conexão afetiva, ela se isola. O segundo sinal é sobre a modificação comportamental, se a pessoa costuma ser muito sociável e de repente começa a se isolar, isso pode ser um sinal de alerta - destaca Bárbara.

A jornalista reforça a importância de sabermos usar dos momentos de solitude para termos um olhar de reconstrução sobre nós e poder passar por esse momento.

- Temos que compreender que o fato de estar sozinha pode nos fazer bem e nos auxiliar em diversas situações. O principal, é conseguirmos nos conhecer, para saber se estamos em momentos de solitude e solidão - conclui Fabiana.

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